quinta-feira, 26 de março de 2009

Teatro Extremo, em Almada, desde 1994

Quinze anos a criar novos públicos



Nascido em 1994, o Teatro Extremo assumia-se como uma companhia itinerante, vocacionada para a infância e juventude. Tinha como grande objectivo cativar mais gente para o teatro. Hoje, passados 15 anos, o Extremo é uma referência no seu sector de actividade. E organiza um dos mais importantes eventos culturais do país para o segmento infanto-juvenil: o festival Sementes, realizado, anualmente, em Maio. Rui Cerveira e Fernando Jorge Lopes (dois dos fundadores da companhia), reconhecem que muitos objectivos foram já alcançados: há mais público e uma indústria cultural mais pujante. Mas queixam-se da recorrente falta de apoios. E defendem que, para crescer e ampliar a actividade, precisam de novas instalações. Por isso mesmo, são um dos grupos que se candidataram à gestão do antigo Teatro Municipal de Almada.


O balanço de 15 anos de trabalho, numa entrevista para o Almada Cultural.


Lembro-me que antes de serem o Teatro Extremo (TE), vos vi no Ponto de Encontro (Casa Municipal da Juventude em Cacilhas) a fazer um espectáculo de "café-teatro"...
Rui Cerveira - Esse espectáculo chamava-se "Piscatória". Já existia antes. Era encenado por António Carvalho, que já o tinha feito com outros actores, e que nos propôs fazermos uma reposição.

Foi aí que se conheceram os que deram origem ao Teatro Extremo?
R.C. - Três de nós: eu, o Fernando Jorge Lopes e o Paulo Duarte, que já se conheciam há mais anos.

Eram vocês os 3 que faziam esse espectáculo?
R.C. - Sim. E uma rapariga. Foram várias as que fizeram o papel. Uma delas foi a Isabel Leitão que mais tarde entrou também para o TE.

Vocês aparecem em 1994 assumindo-se como uma companhia itinerante. Porque não tinham um espaço próprio, ou por outra razão?
R.C. - Porque queríamos fazer teatro por todo o lado. Não era só a questão de não termos espaço. O nosso primeiro espectáculo, "Os Infernos da Barca" era muito portátil, podia ser feito em qualquer sítio.

Assumiam-se como uma companhia itinerante e para a infância. Suponho que naquele tempo não havia muitos grupos a fazer teatro para crianças. Ou havia?
R.C. - Eu acho já havia muitas companhias... Se nós formos ver as companhias de teatro para a infância que existem no nosso país, e existem muitas, muitas delas têm muitos mais anos que nós. E falo por exemplo do Bando, que ainda hoje se assume como uma companhia para a infância e juventude. E outras. O Zé Caldas está cá há 30 anos, em Portugal, a fazer teatro para a infância e juventude. O Pé de Vento, do Porto. Os próprios Papa-Léguas não sei que idade têm. Eu ao início, quando comecei a fazer teatro, não pensava se queria fazer para a infância e juventude ou se queria fazer para os adultos. Mas, realmente, como havia muita produção mais para os adultos, resolvemos dedicarmo-nos à infância e juventude.

Mas hoje há muito mais grupos a trabalhar para essas faixas etárias, não?
R.C. - A grande questão é que as companhias de teatro para a infância e juventude nunca tiveram a mesma visibilidade que as outras. E se calhar é isso que nos leva a pensar que não existiriam. Em 1996, quando começámos a fazer o festival Sementes, compreendemos que afinal havia muitas. Não haver visibilidade dessas companhias também é culpa da comunicação social, que não se interessa.
Fernando Jorge Lopes - Quando eu andei na faculdade a tirar o curso havia uma cadeira que era análise de espectáculos. Mas não incluia peças para o público infantil e juvenil. O objecto era só espectáculos para adultos. Porquê? Não sei responder.


PÚBLICOS E INDÚSTRIA CULTURAL

E o público para esses espectáculos tem vindo a aumentar?
F.J.L. - Isto liga-se a uma questão de que nós falamos consecutivamente, que é a da indústria cultural. Indústria que faz muito dinheiro, que gera riqueza...

De que industria cultural estamos a falar?
F.J.L. - Toda junta! Por exemplo, tens o nosso festival... Os "trocos" que recebemos do Estado investem-se todos aqui, no hotel, no restaurante para os participantes... Gera riqueza! Não estamos apenas a falar do problema artístico, do objecto de arte. Esse também é rendível. Mas estamos a falar de tudo o que está à volta.

Com a crise que se anuncia, vocês temem ter menos público, já que os vossos espectáculos não são do tipo para "distraír as massas"?
F.J.L. - O teatro não tem de ser chato! Já o Brecht dizia que o teatro tem de ser lúdico. É verdade que a crise está anunciada aos quatro ventos. Mas tem contornos que são difíceis de prever. Não consigo fazer a análise nesses termos.
R.C. - Não sei se é pela crise... Sei é que este ano o orçamento para a cultura já diminuiu. Agora, em termos de público, não sei bem como é que isso se irá reflectir. Nós temos medo que se vendam menos espectáculos. Mas, se mesmo assim o público que vai ao teatro tem aumentado...
Tem aumentado?
R.C. - Penso que sim. Pelo menos é o que as pessoas dizem. Eu acho que ainda é pouco, há ainda pouca cultura de ida ao teatro entre o povo português.

Um dos vossos objectivos, anunciados desde o princípio, era cativar novos públicos. Ao fim de 15 anos, pensam que conseguiram concretizá-lo?
F.J.L. - Penso que sim.
R.C. - Nós notamos que quando fazemos espectáculos para um público mais adulto, temos menos gente do que quando apresentamos produções para o público infanto-juvenil. E aí nós percebemos que esse público actualmente parece que tem maior apetência para vir ao teatro do que o público adulto. Isso tem a ver com o trabalho que se fez, e não só nós, as outras companhias, que trabalharam para esse público e que trouxeram as pessoas.


Como?
F.J.L. - Por exemplo, os pais vão com as crianças ao teatro. Sem as crianças não iam. Claro que uma das nossas grandes preocupações é trazer o público jovem. Aliás no nosso festival, a filosofia que está patente é que depois de um ano inteiro em que o público de Almada vem ver espectáculos, vai haver ali um concentrado, uma série de outras realidades artísticas, de propostas estéticas, de forma a que isso complemente a formação do público.
Se a ideia é criar novos públicos e ensinar as pessoas a ver teatro, como é que isso se faz? Não é só apresentar a peça e ficar à espera que as pessoas vão lá ter, não é? Vocês vão às escolas?

Levam as escolas à vossa sala?
R.C. - É tudo isso, e também o trabalho de divulgação que temos feito. Resultados práticos disso: os contactos com outros municípios, e os protocolos que com eles fazemos, em que, para além de levarmos nós os espectáculos da companhia, guardamos também espectáculos do Sementes. Ou seja, esses municípios acreditaram realmente no valor das nossas produções, ou do festival, juntaram-se a nós para que nós os ajudássemos a criar um bocado esse hábito...


APOIOS E SUBSÍDIOS, OU A FALTA DELES
Quais são os apoios que o Teatro Extremo recebe da administração central?
R.C. - Temos de continuar a apresentar as candidaturas sempre. Não somos convencionados. Nos últimos 4 anos temos sido apoiados bianualmente.

Esse subsídio bianual é para a actividade toda do Teatro Extremo? Inclui o Sementes?
R.C. - Inclui o Sementes.

Não há um subsídio próprio para o Sementes?
R.C. - Do poder central não.

Nesta altura (Fevereiro de 2009) ainda não sabem se vão receber esse subsídio?
F.J.L. - Exactamente.

Mas esperam receber?
F.J.L. - Claro! Se não, não concorríamos! Mas nada é seguro! Já vimos companhias que eram altamente apoiadas ficarem sem apoios por razões que a própria razão desconhece.

O facto de não saberem se vão ter subsídio afecta de alguma maneira a planificação do vosso trabalho ou a vossa margem de manobra?
R.C. - Claro que afecta! No Sementes, também, mas estamos a conseguir avançar com as coisas, baseado-nos em protocolos com os vários municípios, e no apoio do município de Almada.

E o mecenato. Como é que isso funciona com vocês?
F.J.L. - Não funciona.
R.C. - Que eu saiba, o mecenato funciona principalmente para os teatros nacionais. Ou seja, para o próprio Estado.
F.J.L. - E para os grandes eventos, às vezes. Festivais de rock, essas coisas...

Não havendo mecenato, têm alguma forma de relacionamento com empresas que vos possam subsidiar?
R.C. - Sim, mas são coisas muito residuais.
F.J.L. - São apoios em géneros. Uns lanches com os miúdos, umas coisas assim. Mas isso é importante. Porque nós não deixamos de estar ligados com a economia do sítio onde vivemos.
Uma vez aconteceu que o festival Sementes teve um mecenato a sério. Mas foi só uma vez...

Portanto, o Teatro Extremo sobrevive financeiramente com o subsídio bianual do Estado e com o subsídio da Câmara Municipal de Almada?
R.C. - E com a venda dos nossos espectáculos.
F.J.L. - Essencialmente é com isso. Porque o subsídio que o Estado nos dá são 50 mil euros. Tenho a impressão que isso não cobre aquilo que a gente paga em impostos! O dinheiro que ganho vai todo outra vez para lá! Não chega a haver aqui mais-valia nenhuma.

A percentagem de receitas que obtêm com a venda dos vossos espectáculos é parte substancial daquilo que ajuda o TE a viver?
F.J.L. - Nós temos protocolos com as câmaras, com os quais não vendemos espectáculos avulsos. Há espectáculos da companhia e espectáculos do Sementes, que vão num "bolo", não como venda isolada. São coisas concertadas. E isso aumenta o volume das receitas. Depois também temos acções de formação, dentro desses protocolos... Portanto, esse bolo todo, digamos assim, é que nos cria alguma cama em que nos deitamos. Mas também vendemos espectáculos avulso!
R.C. - Mas se fosse só isso não chegaria. Em Portugal também não vejo, tirando o teatro comercial, ninguém que se aguente... E mesmo o teatro comercial não é propriamente com a venda dos espectáculos, é muito mais com esse tal mecenato.

O subsídio que recebem da CMA é suficiente? Precisam de mais apoios?
R.C. - É óbvio que não é suficiente.
F.J.L. - A gente reconhece o esforço. Vá lá, já não será residual, como o do Ministério, mas é pouco para o trabalho que temos.
R.C. - Não chega a ser o dobro do que o Ministério nos dá.

Quantos são os elementos a tempo inteiro do TE?
R.C. - Os que recebem ordenado, todos os meses? Somos 10.

Portanto, vocês têm 10 pessoas a quem têm de pagar ordenado ao fim do mês?
R.C. - Exacto. Segurança Social, essas coisas todas. E está tudo dentro da legalidade, e pagam todos os seus impostos.
F.J.L. - Também duvidamos que isso seja a generalidade das coisas que acontecem no nosso país...
R.C. - A recibo verde só temos mesmo as pessoas que vêm por períodos de tempo. Ou vêm fazer um espectáculo, ou fazer formação, ou contratados por um mês para nos ajudarem no Sementes.

CANDIDATOS AO ANTIGO TEATRO MUNICIPAL

Em 2008 fizeram obras de remodelação no vosso teatro, mas o espaço continua a ser basicamente o mesmo, não é?
R.C. - Sim. É um espaço limitado, uma sala estúdio. Mas as condições de acolhimento, do público e dos artistas, são outras depois da remodeação que fizemos. Já não temos uma plateia em que nalgumas filas as pessoas maiores não cabiam. Temos uma plateia que recolhe e que nos permite criar ali outros espaços de actuação, maiores ou mais pequenos. Por exemplo para trabalho de formação ficamos com um espaço mais amplo. E criámos camarins, e o nosso foyer foi remodelado de forma a que pudéssemos também ter ali espectáculos mais pequenos, de café-teatro, com uma nova cabine técnica que dá directamente para esse espaço. Portanto, tentámos optimizá-lo.

Candidataram-se à utilização do Teatro Municipal antigo por considerarem que o vosso espaço já não chega, ou têm outros objectivos?
R.C. - As coisas estão relacionadas. Por exemplo, na nossa sala, para fazermos um desenho de luz temos que usar mais projectores do que numa outra sala que tivesse umas medidas mais adequadas. E depois um festival com o âmbito e com a dimensão do Sementes não se consegue fazer apenas com a nossa sala. Claro que nós podemos utilizar outros equipamentos do município, felizmente. Mas mesmo assim são poucos. Porque tens de fazer montagens, e num festival tudo isto a tempo. Se estás a fazer uma montagem não podes estar a apresentar o espectáculo. Tinhas necessidade de mais salas ainda no concelho.

Falaste em outros espaços do município. Isso inclui o Teatro Azul (novo teatro municipal de Almada)? Já lá foram?
R.C. - Já apresentámos lá um espectáculo. Mas torna-se pouco viável apresentar lá espectáculos do Sementes, porque eles nos pedem por dia 90 contos.

Eles quem?
R.C. - Quem faz a gestão do espaço, que é a Companhia de Teatro de Almada. E nós não temos esse dinheiro para estarmos a alugar uma sala. Eles têm também um apoio do município à programação. E portanto esperavamos que eles nos ajudassem, porque nós, ao apresentar lá espectáculos, estamos também a contribuir para a programação daquele espaço.

Isso não devia ser articulado com a Câmara?
R.C. - Deveria. Mas o que a Câmara nos diz é que o espaço é gerido pela Companhia de Teatro de Almada e que portanto ela é que sabe como é que consegue gerir aquele espaço sem ter prejuízo.
É então um espaço municipal, mas gerido pela Companhia de Teatro de Almada. Em que difere a vossa proposta para o Teatro Municipal da gestão actual de um espaço como o Teatro Azul?

F.J.L. - Em vez de nos estarem a pagar, ali tem de funcionar ao contrário. Tem de ser o teatro a arranjar maneira de ter o que os outros grupos não têm. Se estamos a queixar-nos de uma coisa, não é para repetir a mesma história, como é óbvio.