quinta-feira, 26 de março de 2009

Teatro Extremo, em Almada, desde 1994

Quinze anos a criar novos públicos



Nascido em 1994, o Teatro Extremo assumia-se como uma companhia itinerante, vocacionada para a infância e juventude. Tinha como grande objectivo cativar mais gente para o teatro. Hoje, passados 15 anos, o Extremo é uma referência no seu sector de actividade. E organiza um dos mais importantes eventos culturais do país para o segmento infanto-juvenil: o festival Sementes, realizado, anualmente, em Maio. Rui Cerveira e Fernando Jorge Lopes (dois dos fundadores da companhia), reconhecem que muitos objectivos foram já alcançados: há mais público e uma indústria cultural mais pujante. Mas queixam-se da recorrente falta de apoios. E defendem que, para crescer e ampliar a actividade, precisam de novas instalações. Por isso mesmo, são um dos grupos que se candidataram à gestão do antigo Teatro Municipal de Almada.


O balanço de 15 anos de trabalho, numa entrevista para o Almada Cultural.


Lembro-me que antes de serem o Teatro Extremo (TE), vos vi no Ponto de Encontro (Casa Municipal da Juventude em Cacilhas) a fazer um espectáculo de "café-teatro"...
Rui Cerveira - Esse espectáculo chamava-se "Piscatória". Já existia antes. Era encenado por António Carvalho, que já o tinha feito com outros actores, e que nos propôs fazermos uma reposição.

Foi aí que se conheceram os que deram origem ao Teatro Extremo?
R.C. - Três de nós: eu, o Fernando Jorge Lopes e o Paulo Duarte, que já se conheciam há mais anos.

Eram vocês os 3 que faziam esse espectáculo?
R.C. - Sim. E uma rapariga. Foram várias as que fizeram o papel. Uma delas foi a Isabel Leitão que mais tarde entrou também para o TE.

Vocês aparecem em 1994 assumindo-se como uma companhia itinerante. Porque não tinham um espaço próprio, ou por outra razão?
R.C. - Porque queríamos fazer teatro por todo o lado. Não era só a questão de não termos espaço. O nosso primeiro espectáculo, "Os Infernos da Barca" era muito portátil, podia ser feito em qualquer sítio.

Assumiam-se como uma companhia itinerante e para a infância. Suponho que naquele tempo não havia muitos grupos a fazer teatro para crianças. Ou havia?
R.C. - Eu acho já havia muitas companhias... Se nós formos ver as companhias de teatro para a infância que existem no nosso país, e existem muitas, muitas delas têm muitos mais anos que nós. E falo por exemplo do Bando, que ainda hoje se assume como uma companhia para a infância e juventude. E outras. O Zé Caldas está cá há 30 anos, em Portugal, a fazer teatro para a infância e juventude. O Pé de Vento, do Porto. Os próprios Papa-Léguas não sei que idade têm. Eu ao início, quando comecei a fazer teatro, não pensava se queria fazer para a infância e juventude ou se queria fazer para os adultos. Mas, realmente, como havia muita produção mais para os adultos, resolvemos dedicarmo-nos à infância e juventude.

Mas hoje há muito mais grupos a trabalhar para essas faixas etárias, não?
R.C. - A grande questão é que as companhias de teatro para a infância e juventude nunca tiveram a mesma visibilidade que as outras. E se calhar é isso que nos leva a pensar que não existiriam. Em 1996, quando começámos a fazer o festival Sementes, compreendemos que afinal havia muitas. Não haver visibilidade dessas companhias também é culpa da comunicação social, que não se interessa.
Fernando Jorge Lopes - Quando eu andei na faculdade a tirar o curso havia uma cadeira que era análise de espectáculos. Mas não incluia peças para o público infantil e juvenil. O objecto era só espectáculos para adultos. Porquê? Não sei responder.


PÚBLICOS E INDÚSTRIA CULTURAL

E o público para esses espectáculos tem vindo a aumentar?
F.J.L. - Isto liga-se a uma questão de que nós falamos consecutivamente, que é a da indústria cultural. Indústria que faz muito dinheiro, que gera riqueza...

De que industria cultural estamos a falar?
F.J.L. - Toda junta! Por exemplo, tens o nosso festival... Os "trocos" que recebemos do Estado investem-se todos aqui, no hotel, no restaurante para os participantes... Gera riqueza! Não estamos apenas a falar do problema artístico, do objecto de arte. Esse também é rendível. Mas estamos a falar de tudo o que está à volta.

Com a crise que se anuncia, vocês temem ter menos público, já que os vossos espectáculos não são do tipo para "distraír as massas"?
F.J.L. - O teatro não tem de ser chato! Já o Brecht dizia que o teatro tem de ser lúdico. É verdade que a crise está anunciada aos quatro ventos. Mas tem contornos que são difíceis de prever. Não consigo fazer a análise nesses termos.
R.C. - Não sei se é pela crise... Sei é que este ano o orçamento para a cultura já diminuiu. Agora, em termos de público, não sei bem como é que isso se irá reflectir. Nós temos medo que se vendam menos espectáculos. Mas, se mesmo assim o público que vai ao teatro tem aumentado...
Tem aumentado?
R.C. - Penso que sim. Pelo menos é o que as pessoas dizem. Eu acho que ainda é pouco, há ainda pouca cultura de ida ao teatro entre o povo português.

Um dos vossos objectivos, anunciados desde o princípio, era cativar novos públicos. Ao fim de 15 anos, pensam que conseguiram concretizá-lo?
F.J.L. - Penso que sim.
R.C. - Nós notamos que quando fazemos espectáculos para um público mais adulto, temos menos gente do que quando apresentamos produções para o público infanto-juvenil. E aí nós percebemos que esse público actualmente parece que tem maior apetência para vir ao teatro do que o público adulto. Isso tem a ver com o trabalho que se fez, e não só nós, as outras companhias, que trabalharam para esse público e que trouxeram as pessoas.


Como?
F.J.L. - Por exemplo, os pais vão com as crianças ao teatro. Sem as crianças não iam. Claro que uma das nossas grandes preocupações é trazer o público jovem. Aliás no nosso festival, a filosofia que está patente é que depois de um ano inteiro em que o público de Almada vem ver espectáculos, vai haver ali um concentrado, uma série de outras realidades artísticas, de propostas estéticas, de forma a que isso complemente a formação do público.
Se a ideia é criar novos públicos e ensinar as pessoas a ver teatro, como é que isso se faz? Não é só apresentar a peça e ficar à espera que as pessoas vão lá ter, não é? Vocês vão às escolas?

Levam as escolas à vossa sala?
R.C. - É tudo isso, e também o trabalho de divulgação que temos feito. Resultados práticos disso: os contactos com outros municípios, e os protocolos que com eles fazemos, em que, para além de levarmos nós os espectáculos da companhia, guardamos também espectáculos do Sementes. Ou seja, esses municípios acreditaram realmente no valor das nossas produções, ou do festival, juntaram-se a nós para que nós os ajudássemos a criar um bocado esse hábito...


APOIOS E SUBSÍDIOS, OU A FALTA DELES
Quais são os apoios que o Teatro Extremo recebe da administração central?
R.C. - Temos de continuar a apresentar as candidaturas sempre. Não somos convencionados. Nos últimos 4 anos temos sido apoiados bianualmente.

Esse subsídio bianual é para a actividade toda do Teatro Extremo? Inclui o Sementes?
R.C. - Inclui o Sementes.

Não há um subsídio próprio para o Sementes?
R.C. - Do poder central não.

Nesta altura (Fevereiro de 2009) ainda não sabem se vão receber esse subsídio?
F.J.L. - Exactamente.

Mas esperam receber?
F.J.L. - Claro! Se não, não concorríamos! Mas nada é seguro! Já vimos companhias que eram altamente apoiadas ficarem sem apoios por razões que a própria razão desconhece.

O facto de não saberem se vão ter subsídio afecta de alguma maneira a planificação do vosso trabalho ou a vossa margem de manobra?
R.C. - Claro que afecta! No Sementes, também, mas estamos a conseguir avançar com as coisas, baseado-nos em protocolos com os vários municípios, e no apoio do município de Almada.

E o mecenato. Como é que isso funciona com vocês?
F.J.L. - Não funciona.
R.C. - Que eu saiba, o mecenato funciona principalmente para os teatros nacionais. Ou seja, para o próprio Estado.
F.J.L. - E para os grandes eventos, às vezes. Festivais de rock, essas coisas...

Não havendo mecenato, têm alguma forma de relacionamento com empresas que vos possam subsidiar?
R.C. - Sim, mas são coisas muito residuais.
F.J.L. - São apoios em géneros. Uns lanches com os miúdos, umas coisas assim. Mas isso é importante. Porque nós não deixamos de estar ligados com a economia do sítio onde vivemos.
Uma vez aconteceu que o festival Sementes teve um mecenato a sério. Mas foi só uma vez...

Portanto, o Teatro Extremo sobrevive financeiramente com o subsídio bianual do Estado e com o subsídio da Câmara Municipal de Almada?
R.C. - E com a venda dos nossos espectáculos.
F.J.L. - Essencialmente é com isso. Porque o subsídio que o Estado nos dá são 50 mil euros. Tenho a impressão que isso não cobre aquilo que a gente paga em impostos! O dinheiro que ganho vai todo outra vez para lá! Não chega a haver aqui mais-valia nenhuma.

A percentagem de receitas que obtêm com a venda dos vossos espectáculos é parte substancial daquilo que ajuda o TE a viver?
F.J.L. - Nós temos protocolos com as câmaras, com os quais não vendemos espectáculos avulsos. Há espectáculos da companhia e espectáculos do Sementes, que vão num "bolo", não como venda isolada. São coisas concertadas. E isso aumenta o volume das receitas. Depois também temos acções de formação, dentro desses protocolos... Portanto, esse bolo todo, digamos assim, é que nos cria alguma cama em que nos deitamos. Mas também vendemos espectáculos avulso!
R.C. - Mas se fosse só isso não chegaria. Em Portugal também não vejo, tirando o teatro comercial, ninguém que se aguente... E mesmo o teatro comercial não é propriamente com a venda dos espectáculos, é muito mais com esse tal mecenato.

O subsídio que recebem da CMA é suficiente? Precisam de mais apoios?
R.C. - É óbvio que não é suficiente.
F.J.L. - A gente reconhece o esforço. Vá lá, já não será residual, como o do Ministério, mas é pouco para o trabalho que temos.
R.C. - Não chega a ser o dobro do que o Ministério nos dá.

Quantos são os elementos a tempo inteiro do TE?
R.C. - Os que recebem ordenado, todos os meses? Somos 10.

Portanto, vocês têm 10 pessoas a quem têm de pagar ordenado ao fim do mês?
R.C. - Exacto. Segurança Social, essas coisas todas. E está tudo dentro da legalidade, e pagam todos os seus impostos.
F.J.L. - Também duvidamos que isso seja a generalidade das coisas que acontecem no nosso país...
R.C. - A recibo verde só temos mesmo as pessoas que vêm por períodos de tempo. Ou vêm fazer um espectáculo, ou fazer formação, ou contratados por um mês para nos ajudarem no Sementes.

CANDIDATOS AO ANTIGO TEATRO MUNICIPAL

Em 2008 fizeram obras de remodelação no vosso teatro, mas o espaço continua a ser basicamente o mesmo, não é?
R.C. - Sim. É um espaço limitado, uma sala estúdio. Mas as condições de acolhimento, do público e dos artistas, são outras depois da remodeação que fizemos. Já não temos uma plateia em que nalgumas filas as pessoas maiores não cabiam. Temos uma plateia que recolhe e que nos permite criar ali outros espaços de actuação, maiores ou mais pequenos. Por exemplo para trabalho de formação ficamos com um espaço mais amplo. E criámos camarins, e o nosso foyer foi remodelado de forma a que pudéssemos também ter ali espectáculos mais pequenos, de café-teatro, com uma nova cabine técnica que dá directamente para esse espaço. Portanto, tentámos optimizá-lo.

Candidataram-se à utilização do Teatro Municipal antigo por considerarem que o vosso espaço já não chega, ou têm outros objectivos?
R.C. - As coisas estão relacionadas. Por exemplo, na nossa sala, para fazermos um desenho de luz temos que usar mais projectores do que numa outra sala que tivesse umas medidas mais adequadas. E depois um festival com o âmbito e com a dimensão do Sementes não se consegue fazer apenas com a nossa sala. Claro que nós podemos utilizar outros equipamentos do município, felizmente. Mas mesmo assim são poucos. Porque tens de fazer montagens, e num festival tudo isto a tempo. Se estás a fazer uma montagem não podes estar a apresentar o espectáculo. Tinhas necessidade de mais salas ainda no concelho.

Falaste em outros espaços do município. Isso inclui o Teatro Azul (novo teatro municipal de Almada)? Já lá foram?
R.C. - Já apresentámos lá um espectáculo. Mas torna-se pouco viável apresentar lá espectáculos do Sementes, porque eles nos pedem por dia 90 contos.

Eles quem?
R.C. - Quem faz a gestão do espaço, que é a Companhia de Teatro de Almada. E nós não temos esse dinheiro para estarmos a alugar uma sala. Eles têm também um apoio do município à programação. E portanto esperavamos que eles nos ajudassem, porque nós, ao apresentar lá espectáculos, estamos também a contribuir para a programação daquele espaço.

Isso não devia ser articulado com a Câmara?
R.C. - Deveria. Mas o que a Câmara nos diz é que o espaço é gerido pela Companhia de Teatro de Almada e que portanto ela é que sabe como é que consegue gerir aquele espaço sem ter prejuízo.
É então um espaço municipal, mas gerido pela Companhia de Teatro de Almada. Em que difere a vossa proposta para o Teatro Municipal da gestão actual de um espaço como o Teatro Azul?

F.J.L. - Em vez de nos estarem a pagar, ali tem de funcionar ao contrário. Tem de ser o teatro a arranjar maneira de ter o que os outros grupos não têm. Se estamos a queixar-nos de uma coisa, não é para repetir a mesma história, como é óbvio.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Jovens Poetas Vadios nascem em Almada com um programa de acção:

«Levar os jovens a ler mais, a escrever, a gostar de poesia!»

Jovens Poetas Vadios é o nome de um colectivo de novos autores, com um projecto ambicioso: querem levar a poesia a todos, e demonstrar que todos conseguem ser poetas. Apareceram inspirados pelas sessões de "poesia vadia" que se realizam nos últimos sábados de cada mês em Almada (dinamizadas por Ermelinda Toscano e pelo projecto Poetas Almadenses). Mas estes "jovens poetas vadios" querem ir mais longe, levar a poesia a mais pessoas, incentivar a escrita e a leitura, promover encontros entre jovens, envolvê-los mais em actividades culturais e contrariar o que consideram ser o envelhecimento da poesia portuguesa. E não são um grupo nem uma associação: consideram-se mesmo um movimento.

Entrevista com: Didier Ferreira (23 anos, estudante de Direito); Alexandre Soares (21 anos, trabalhador-estudante, funcionário do Teatro Municipal de Almada); Filipa Filipe (21 anos, trabalhadora-estudante, com formação em Português e Línguas Clássicas).


Como é que apareceu a ideia?
Didier Ferreira
- Este projecto nasce inspirado nas sessões de poesia vadia dos Poetas Almadenses, em que fui participando...

Desde quando?
D.F. - O projecto nasce em meados de Outubro de 2008... Mas eu comecei a frequentar essas sessões em 2006, convite do Henrique Mota (da associação O Farol). Depois também recebi o apoio da Ermelinda Toscano e do António Boieiro para continuar a participar. Especialmente o Henrique Mota sempre se interessou em levar outros jovens às sessões. Coisa que não era fácil, sempre que se falava com os amigos para assistir às sessões de poesia... porque um estuda, outros trabalham... Mas também reparava que as pessoas desconheciam o que era. Depois de presenciar pelo menos uma sessão as pessoas começaram a frequentar mais. Como eu me comecei a aperceber que não conseguia levar as pessoas, foi então que pensei: se os jovens, os amigos, não vêm para as sessões, então vamos levar as sessões aos jovens. Ocorreu então a ideia de criar um grupo, um movimento, em que jovens fossem atrás de outros jovens. Em que o exemplo partia precisamente de nós. Foi então que falei com o Alexandre Soares, que posteriormente falou com a Filipa, e decidimos criar este grupo, este movimento...
Alexandre Soares - Foi uma coisa que se foi arrastando, não foi de um dia para o outro. Nós desde 2007 que iamos falando pontualmente, só que demorou um tempo para termos a coragem de dar este passo.

Foi uma questão de ter essa coragem, ou de apoios?
A.S. - Não. Um dia decidimos sentar-nos e falar a sério sobre isto.
D.F. - Acho que o que ocorreu connosco é um bocado aquilo que ocorre com a poesia em si. No fundo todos nós desde crianças começamos a escrever, só que depois não valorizamos essa escrita e não levamos a sério esta nossa capacidade. E vamos arrastando isso. Escrevemos, guardamos, e eu acho que no fundo isso é o que acontece com a poesia. Foi o que aconteceu connosco, fomos também arrastando...

A partir do momento em que decidiram avançar, que passos deram?
A.S. - Fomos fazer recrutamento à escola de Cacilhas, a partir de uma antiga professora minha...

E qual foi a receptividade?
A.S. - Foi muito boa. Tivemos duas pessoas imediatamente interessadas e tivemos outras pessoas, com quem eu falei posteriormente que tinham interesse no projecto, só que não tinham aquela coragem de se expor. Foi pena, só conseguimos duas pessoas... Mas sentimos que toda a gente tinha atenção ao nosso projecto. Não tivemos o tipo engraçadinho a mandar coisas ou a mandar bocas ou a fazer barulho. Conseguimos cativar bastante uma turma, mesmo que nem todos tivessem interesse na poesia. Foi uma coisa que eu não estava à espera. Estava à espera de um público difícil, pessoas a dormir, a sair e a fazer barulho...

Quantas pessoas já estão no vosso grupo?
D.F. - Começámos por ser três, fomo-nos reunindo em cafés, semanalmente. Hoje já podemos contar com mais de 20 pessoas. A coisa depois deu um salto muito grande, felizmente.
A.S. - Pois, porque na altura ainda estávamos um bocado à procura da nossa identidade, não sabiamos ainda bem o que é que queríamos como grupo. Uns tinham umas ideias, outros outras...

Por exemplo, constituir uma associação, numa base mais formal?
A.S. - É assim: nós somos poetas, e os poetas nunca sabem muito bem o que querem.E acho que a única coisa que temos mesmo em comum é que somos todos sonhadores... Acho que falta assim aquele membro mesmo objectivo...
D.F. - Deixa referir também que um dos nossos objectivos claros é contrariar a tendência do envelhecimento da poesia. Porque eu noto que a poesia está a envelhecer.

Envelhecimento em que sentido? Da idade dos poetas, ou dos estilos?
D.F. - Refiro-me mesmo à idade dos poetas e à idade de quem pratica a poesia. Porque tal como o país, e é um facto que o país está a envelhecer claramente, também acontece que os poetas se revelam cada vez mais tarde. Enquanto jovens não ligamos à poesia. E muitos de nós que não ligamos à poesia enquanto jovens, mais tarde, muitas vezes depois de reformados, é que procuramos uma ocupação... é então que começamos a ler mais e procuramos a poesia...
Filipa Filipe - O que eu tenho notado é que as pessoas são um bocadinho mais individualistas. Acho que os jovens hoje em dia não se reunem para falar de poesia, não se reunem como se reuniam antigamente naquelas reuniões do cefé Gelo, dos surrealistas, os do Orpheu... Essa geração perdeu-se. Além disso acho até que os jovens têm muitas vezes vergonha em admitir que escrevem.
A.S. - Ou seja, queremos libertar as pessoas. Tentar fazer com que, entre aspas, saiam do armário. Eu tenho muitos amigos que escrevem mas que escrevem para eles, ou mantém um diário... Mas não têm coragem, não contam ao amigo porque têm vergonha, vão ser gozados. Às vezes vivemos num meio, em que julgamos muito as pessoas. E estamos a afastar-nos da sensibilidade, estamos a afastar-nos da cultura, em alguns sentidos.
D.F. - De facto, é degradação, que se nota em relação à literatura no seu todo. Porque cada vez lê-se menos em Portugal, cada vez dá-se menos importância à literatura. Lê-se menos e também se escreve menos. Desde novos estamos numa geração de computadores, de televisão... A sociedade que nós temos hoje não apela muito à leitura e a este tipo de iniciativas como a poesia e outras artes. Portanto, o nosso objectivo tem mesmo de ser contrariar um pouco isso...
A.S. - Nós ligamos um computador, vamos à internet, e somos capazes de ver poesia em montes de blogues anónimos, mas são pessoas muito introvertidas, que expõem os seus sentimentos, mas depois não dão a cara.
F.F. - E é esse o problema, é que as pessoas não se reunem.

Portanto, vocês querem fazer com que as pessoas que escrevem passem também a trocar experiências, estejam frente a frente e não só através da net?...
F.F. - Sim sim! E mais do que propriamente poetas, ou aprendizes de poetas, porque nós... eu não me considero propriamente poeta... é estarem juntas como pessoas. Trocarem mais do que propriamente até poesia.
A.S. - O nosso grupo acaba até por ser um grupo de discussão. Nós começamos a escrever mas acabamos sempre por discutir assuntos do dia, ou literatura, ou filosofia...

E como querem fazer isso? Já percebi que a ideia é abranger o maior número possível de pessoas. Mas como vão funcionar organicamente? Em associação?
D.F. - Pois, isso são questões complexas, e que muitas vezes acabam por ser...
A.S. - Acabam por afastar as pessoas.
D.F. - Poderiamos formalizar como associação. Mas eu penso que, mais do que formalizar, o objectivo deve ser mantemo-nos como um movimento de pessoas livres (daí até o nome de vadios) porque somos realmente um grupo de pessoas livres e não estamos presos nem a um espaço físico nem a ideologias nem coisa do género. Deste modo é um pouco mais fácil conseguir lidar com as pessoas. Em vez de nós marcarmos reuniões, como acontecia inicialmente, quando eramos poucos, todos aqui de Almada, era muito fácil marcar uma reunião num certo local e encontrarmo-nos, e até ser produtiva a conversa... Hoje já somos mais de vinte e até queremos chegar a um número muito maior. Conseguir reunir o pessoal é complicado. Há várias opções que estamos a pensar...

Mas se a intenção é também juntar as pessoas, vão precisar, se não de um espaço, de vários espaços, não é?
D.F. - Com certeza. Quando falava de várias opções é um bocado por aí. Uma das opções passa por conseguirmos criar pequenos núcleos. Nós poderíamos estar conotados com os jovens poetas de Almada. Só que isso não é verdade, porque nós temos pessoal de Lisboa e ainda temos o objectivo de chegar a mais longe. Então, por exemplo, o pessoal aqui de Almada, o objectivo é que nós nos consigamos reunir e fazer uns encontros, umas sessões de poesia, conseguimos reunirmo-nos com frequência. E quem por exemplo está em Lisboa conseguir fazer o mesmo, conseguir nos mesmos moldes reunir e depois então criar periodicamente encontros grandes, o que já exige outro espaço. Essa é uma das opções. Também temos outras vias. Outras vantagens, que antigamente não havia, que é a questão da internet... Seria melhor encontros físicos, presenciais, mas a internet já é um bom veículo. A partir do blogue conseguimos ter contacto com poesia de pessoas que estão distantes de nós e é também uma outra via para divulgarmos o nosso trabalho.

Quais vão ser os vossos próximos passos?
D.F. - Visto que o nosso propósito é levar os jovens a ler mais, a escrever, a gostar de poesia, pretendemos fazer, e iremos fazê-lo através da divulgação de trabalhos. Temos já o primeiro caderno de poesia nosso, o número 72 da colecção Index Poesis. Temos a poesia online, com o blogue. Havemos de avançar também com um canal no Youtube. Portanto, a internet como um meio para divulgar a poesia. Depois, também, faremos os possíveis para conseguir criar uma rubrica de poesia de rua, por exemplo. Ou seja: conseguirmos levar a poesia à rua, fazer recitais de poesia na rua...
A.S. - Como os speakers ingleses...
D.F. - Temos em curso também a ideia de criar uma oficina de poesia. Estamos à procura de um espaço. Já temos uma pessoa que trabalha no Teatro Municipal de Almada que está disposta a dar-nos aulas de expressão dramática, por exemplo. O que será importante, visto que nós pretendemos fazer recitais... E também conseguirmos realizar aulas de literatura. Todos nós em Portugal aprendemos um pouco de literatura na escola, há vários autores que aprendemos. Mas muitos de nós, por via também da idade, não damos tanto valor. Na escola não aprendemos tanto literatura. Seria bom conseguirmos fazê-lo agora, numa fase em que temos interesse em aprender.
F.F. - Nós não somos pseudo-intelectuais. Não dizemos eu sou tão intelectual, escrevo poemas, e assim... Não! Todos temos os nossos momentos em que estamos a rir e a falar de coisas que não têm nada a ver com poesia. Não temos essas pretensões.
A.S. - E muitas vezes nem imaginamos que o chamado gajo fixe da escola possa nos seus momentos privados ecrever coisas lindíssimas. E é isso que queremos mostrar às pessoas.
Estão a pensar fazer edições?
D.F. - Temos intenção de fazer depois edições, mas isso é a longo prazo.

Nesta altura, com a Ermelinda Toscano e o Index Poesis, a vossa colaboração vai continuar?
A.S. - Sim, definitivamente!
D.F. - Iremos continuar a divulgar e a editar nessas edições futuros novos cadernos de poesia. Iremos aproveitar o Index Poesis e outras associações desse género para fazermos publicações do colectivo Jovens Poetas Vadios. Depois, futuramente, teremos como ambição querer editar em particular, cada poeta poder exprimir e divulgar o seu trabalho, conseguir fazê-lo por nossa via.

Têm uma ficha de inscrição para quem estiver interessado em juntar-se ao vosso projecto. Qual é a ideia?
D.F. - A ficha serve em primeiro lugar para quem escreve, para quem se sente ou aspira a ser escritor, poeta. Nós recolhemos informação para criar uma base de dados e para sabermos as pessoas com quem podemos contar. Tem uma parte em que se refere a ligação à poesia, se a pessoa escreve, se recita, se apenas gosta de poesia. Esta ficha serve basicamente para isso, para reencaminhar e orientar as pessoas, no sentido de que sempre que houver espectáculos nós podermos informar as pessoas e até mesmo fazer o convite. Por outro lado, também serve para quem não escreve mas apenas gosta de poesia. Nesse caso nós temos dados da pessoa... se vamos fazer por exemplo uma apresentação, podemos informar e fazer o convite.
A.S. - E ter uma grande base de dados de poetas.


Vocês têm a noção de que estão a criar um projecto de rotura com o que existe actualmente? Um movimento, mesmo?
D.F. - Sim, sem dúvida. Eu até tenho dificuldade em adjectivar este Jovens Poetas Vadios como um grupo. Na verdadeira acepção da palavra, isto não é um grupo, é um movimento. Não estamos ligados nem a um espaço físico, nem a qualquer tipo de ideologias. Somos completamente livres. É um movimento e nasce de "passa a palavra e junta-te a nós".
A.S. - Cada jovem que nós conseguirmos que escreva e se comece a mostrar, mesmo que não esteja na nossa base de dados, mesmo que não esteja inscrito connosco, já faz parte do movimento, já aderiu à ideia e poderá um dia criar algo que ainda leve mais longe que os Jovens Poetas Vadios.
D.F. - Até porque o nosso objectivo acaba por ser formar jovens poetas. E aliás, o nosso propósito é mais na área da cultura. O que nós quisémos, em boa verdade, é dar cultura às pessoas. Cultura de leitura, de escrever... Qualquer pessoa na rua acaba por ser um jovem poeta vadio. Porque a poesia não é só o escrever um poema. A poesia é muito mais do que isso. A poesia é a canção do músico, quem escreve acaba por ser um jovem poeta porque a música tem muito de poesia. Um jovem que gosta de pintar acaba por ser também um jovem poeta vadio, porque a pintura também está muito ligada à poesia, também é uma forma de expressão da poesia. Ou seja, ser um jovem poeta vadio não é pertencer a um grupo, mas sim uma forma de estar.

E o facto de as pessoas saberem que têm uma forma de poder mostrar aquilo que escrevem pode também incentivá-las a escrever mais?
D.F. - O objectivo é esse. Que mesmo aquele que faz por exemplo um poema de vez em quando, comece a escrever mais. E felizmente temos tido sucesso. As pessoas têm escrito cada vez mais, tem havido mais produtividade, mais empenho. E só isso já nos deixa muito felizes.
A.S. - É importante dizer que não vamos parar. Mesmo que tenhamos de voltar ao início, acho que é um movimento que vale a pena e em que todos nós acreditamos. Ninguém está aqui só por estar ou por dizer que pertence. Nós vamos sempre tentar algo de novo. Se isto não resultar, vamos tentar algo de novo. E acho que um dia havemos de conseguir. Mesmo que, nessa altura, já não sejamos jovens...

(Entrevista para o Almada Cultural e Almada Cultural por extenso, em Janeiro de 2009; fotos de António Vitorino: apresentação pública do projecto Jovens Poetas Vadios, Dezembro de 2008, durante uma sessão de "Poesia Vadia", na Biblioteca Municipal de Almada)