sábado, 7 de fevereiro de 2009

Jovens Poetas Vadios nascem em Almada com um programa de acção:

«Levar os jovens a ler mais, a escrever, a gostar de poesia!»

Jovens Poetas Vadios é o nome de um colectivo de novos autores, com um projecto ambicioso: querem levar a poesia a todos, e demonstrar que todos conseguem ser poetas. Apareceram inspirados pelas sessões de "poesia vadia" que se realizam nos últimos sábados de cada mês em Almada (dinamizadas por Ermelinda Toscano e pelo projecto Poetas Almadenses). Mas estes "jovens poetas vadios" querem ir mais longe, levar a poesia a mais pessoas, incentivar a escrita e a leitura, promover encontros entre jovens, envolvê-los mais em actividades culturais e contrariar o que consideram ser o envelhecimento da poesia portuguesa. E não são um grupo nem uma associação: consideram-se mesmo um movimento.

Entrevista com: Didier Ferreira (23 anos, estudante de Direito); Alexandre Soares (21 anos, trabalhador-estudante, funcionário do Teatro Municipal de Almada); Filipa Filipe (21 anos, trabalhadora-estudante, com formação em Português e Línguas Clássicas).


Como é que apareceu a ideia?
Didier Ferreira
- Este projecto nasce inspirado nas sessões de poesia vadia dos Poetas Almadenses, em que fui participando...

Desde quando?
D.F. - O projecto nasce em meados de Outubro de 2008... Mas eu comecei a frequentar essas sessões em 2006, convite do Henrique Mota (da associação O Farol). Depois também recebi o apoio da Ermelinda Toscano e do António Boieiro para continuar a participar. Especialmente o Henrique Mota sempre se interessou em levar outros jovens às sessões. Coisa que não era fácil, sempre que se falava com os amigos para assistir às sessões de poesia... porque um estuda, outros trabalham... Mas também reparava que as pessoas desconheciam o que era. Depois de presenciar pelo menos uma sessão as pessoas começaram a frequentar mais. Como eu me comecei a aperceber que não conseguia levar as pessoas, foi então que pensei: se os jovens, os amigos, não vêm para as sessões, então vamos levar as sessões aos jovens. Ocorreu então a ideia de criar um grupo, um movimento, em que jovens fossem atrás de outros jovens. Em que o exemplo partia precisamente de nós. Foi então que falei com o Alexandre Soares, que posteriormente falou com a Filipa, e decidimos criar este grupo, este movimento...
Alexandre Soares - Foi uma coisa que se foi arrastando, não foi de um dia para o outro. Nós desde 2007 que iamos falando pontualmente, só que demorou um tempo para termos a coragem de dar este passo.

Foi uma questão de ter essa coragem, ou de apoios?
A.S. - Não. Um dia decidimos sentar-nos e falar a sério sobre isto.
D.F. - Acho que o que ocorreu connosco é um bocado aquilo que ocorre com a poesia em si. No fundo todos nós desde crianças começamos a escrever, só que depois não valorizamos essa escrita e não levamos a sério esta nossa capacidade. E vamos arrastando isso. Escrevemos, guardamos, e eu acho que no fundo isso é o que acontece com a poesia. Foi o que aconteceu connosco, fomos também arrastando...

A partir do momento em que decidiram avançar, que passos deram?
A.S. - Fomos fazer recrutamento à escola de Cacilhas, a partir de uma antiga professora minha...

E qual foi a receptividade?
A.S. - Foi muito boa. Tivemos duas pessoas imediatamente interessadas e tivemos outras pessoas, com quem eu falei posteriormente que tinham interesse no projecto, só que não tinham aquela coragem de se expor. Foi pena, só conseguimos duas pessoas... Mas sentimos que toda a gente tinha atenção ao nosso projecto. Não tivemos o tipo engraçadinho a mandar coisas ou a mandar bocas ou a fazer barulho. Conseguimos cativar bastante uma turma, mesmo que nem todos tivessem interesse na poesia. Foi uma coisa que eu não estava à espera. Estava à espera de um público difícil, pessoas a dormir, a sair e a fazer barulho...

Quantas pessoas já estão no vosso grupo?
D.F. - Começámos por ser três, fomo-nos reunindo em cafés, semanalmente. Hoje já podemos contar com mais de 20 pessoas. A coisa depois deu um salto muito grande, felizmente.
A.S. - Pois, porque na altura ainda estávamos um bocado à procura da nossa identidade, não sabiamos ainda bem o que é que queríamos como grupo. Uns tinham umas ideias, outros outras...

Por exemplo, constituir uma associação, numa base mais formal?
A.S. - É assim: nós somos poetas, e os poetas nunca sabem muito bem o que querem.E acho que a única coisa que temos mesmo em comum é que somos todos sonhadores... Acho que falta assim aquele membro mesmo objectivo...
D.F. - Deixa referir também que um dos nossos objectivos claros é contrariar a tendência do envelhecimento da poesia. Porque eu noto que a poesia está a envelhecer.

Envelhecimento em que sentido? Da idade dos poetas, ou dos estilos?
D.F. - Refiro-me mesmo à idade dos poetas e à idade de quem pratica a poesia. Porque tal como o país, e é um facto que o país está a envelhecer claramente, também acontece que os poetas se revelam cada vez mais tarde. Enquanto jovens não ligamos à poesia. E muitos de nós que não ligamos à poesia enquanto jovens, mais tarde, muitas vezes depois de reformados, é que procuramos uma ocupação... é então que começamos a ler mais e procuramos a poesia...
Filipa Filipe - O que eu tenho notado é que as pessoas são um bocadinho mais individualistas. Acho que os jovens hoje em dia não se reunem para falar de poesia, não se reunem como se reuniam antigamente naquelas reuniões do cefé Gelo, dos surrealistas, os do Orpheu... Essa geração perdeu-se. Além disso acho até que os jovens têm muitas vezes vergonha em admitir que escrevem.
A.S. - Ou seja, queremos libertar as pessoas. Tentar fazer com que, entre aspas, saiam do armário. Eu tenho muitos amigos que escrevem mas que escrevem para eles, ou mantém um diário... Mas não têm coragem, não contam ao amigo porque têm vergonha, vão ser gozados. Às vezes vivemos num meio, em que julgamos muito as pessoas. E estamos a afastar-nos da sensibilidade, estamos a afastar-nos da cultura, em alguns sentidos.
D.F. - De facto, é degradação, que se nota em relação à literatura no seu todo. Porque cada vez lê-se menos em Portugal, cada vez dá-se menos importância à literatura. Lê-se menos e também se escreve menos. Desde novos estamos numa geração de computadores, de televisão... A sociedade que nós temos hoje não apela muito à leitura e a este tipo de iniciativas como a poesia e outras artes. Portanto, o nosso objectivo tem mesmo de ser contrariar um pouco isso...
A.S. - Nós ligamos um computador, vamos à internet, e somos capazes de ver poesia em montes de blogues anónimos, mas são pessoas muito introvertidas, que expõem os seus sentimentos, mas depois não dão a cara.
F.F. - E é esse o problema, é que as pessoas não se reunem.

Portanto, vocês querem fazer com que as pessoas que escrevem passem também a trocar experiências, estejam frente a frente e não só através da net?...
F.F. - Sim sim! E mais do que propriamente poetas, ou aprendizes de poetas, porque nós... eu não me considero propriamente poeta... é estarem juntas como pessoas. Trocarem mais do que propriamente até poesia.
A.S. - O nosso grupo acaba até por ser um grupo de discussão. Nós começamos a escrever mas acabamos sempre por discutir assuntos do dia, ou literatura, ou filosofia...

E como querem fazer isso? Já percebi que a ideia é abranger o maior número possível de pessoas. Mas como vão funcionar organicamente? Em associação?
D.F. - Pois, isso são questões complexas, e que muitas vezes acabam por ser...
A.S. - Acabam por afastar as pessoas.
D.F. - Poderiamos formalizar como associação. Mas eu penso que, mais do que formalizar, o objectivo deve ser mantemo-nos como um movimento de pessoas livres (daí até o nome de vadios) porque somos realmente um grupo de pessoas livres e não estamos presos nem a um espaço físico nem a ideologias nem coisa do género. Deste modo é um pouco mais fácil conseguir lidar com as pessoas. Em vez de nós marcarmos reuniões, como acontecia inicialmente, quando eramos poucos, todos aqui de Almada, era muito fácil marcar uma reunião num certo local e encontrarmo-nos, e até ser produtiva a conversa... Hoje já somos mais de vinte e até queremos chegar a um número muito maior. Conseguir reunir o pessoal é complicado. Há várias opções que estamos a pensar...

Mas se a intenção é também juntar as pessoas, vão precisar, se não de um espaço, de vários espaços, não é?
D.F. - Com certeza. Quando falava de várias opções é um bocado por aí. Uma das opções passa por conseguirmos criar pequenos núcleos. Nós poderíamos estar conotados com os jovens poetas de Almada. Só que isso não é verdade, porque nós temos pessoal de Lisboa e ainda temos o objectivo de chegar a mais longe. Então, por exemplo, o pessoal aqui de Almada, o objectivo é que nós nos consigamos reunir e fazer uns encontros, umas sessões de poesia, conseguimos reunirmo-nos com frequência. E quem por exemplo está em Lisboa conseguir fazer o mesmo, conseguir nos mesmos moldes reunir e depois então criar periodicamente encontros grandes, o que já exige outro espaço. Essa é uma das opções. Também temos outras vias. Outras vantagens, que antigamente não havia, que é a questão da internet... Seria melhor encontros físicos, presenciais, mas a internet já é um bom veículo. A partir do blogue conseguimos ter contacto com poesia de pessoas que estão distantes de nós e é também uma outra via para divulgarmos o nosso trabalho.

Quais vão ser os vossos próximos passos?
D.F. - Visto que o nosso propósito é levar os jovens a ler mais, a escrever, a gostar de poesia, pretendemos fazer, e iremos fazê-lo através da divulgação de trabalhos. Temos já o primeiro caderno de poesia nosso, o número 72 da colecção Index Poesis. Temos a poesia online, com o blogue. Havemos de avançar também com um canal no Youtube. Portanto, a internet como um meio para divulgar a poesia. Depois, também, faremos os possíveis para conseguir criar uma rubrica de poesia de rua, por exemplo. Ou seja: conseguirmos levar a poesia à rua, fazer recitais de poesia na rua...
A.S. - Como os speakers ingleses...
D.F. - Temos em curso também a ideia de criar uma oficina de poesia. Estamos à procura de um espaço. Já temos uma pessoa que trabalha no Teatro Municipal de Almada que está disposta a dar-nos aulas de expressão dramática, por exemplo. O que será importante, visto que nós pretendemos fazer recitais... E também conseguirmos realizar aulas de literatura. Todos nós em Portugal aprendemos um pouco de literatura na escola, há vários autores que aprendemos. Mas muitos de nós, por via também da idade, não damos tanto valor. Na escola não aprendemos tanto literatura. Seria bom conseguirmos fazê-lo agora, numa fase em que temos interesse em aprender.
F.F. - Nós não somos pseudo-intelectuais. Não dizemos eu sou tão intelectual, escrevo poemas, e assim... Não! Todos temos os nossos momentos em que estamos a rir e a falar de coisas que não têm nada a ver com poesia. Não temos essas pretensões.
A.S. - E muitas vezes nem imaginamos que o chamado gajo fixe da escola possa nos seus momentos privados ecrever coisas lindíssimas. E é isso que queremos mostrar às pessoas.
Estão a pensar fazer edições?
D.F. - Temos intenção de fazer depois edições, mas isso é a longo prazo.

Nesta altura, com a Ermelinda Toscano e o Index Poesis, a vossa colaboração vai continuar?
A.S. - Sim, definitivamente!
D.F. - Iremos continuar a divulgar e a editar nessas edições futuros novos cadernos de poesia. Iremos aproveitar o Index Poesis e outras associações desse género para fazermos publicações do colectivo Jovens Poetas Vadios. Depois, futuramente, teremos como ambição querer editar em particular, cada poeta poder exprimir e divulgar o seu trabalho, conseguir fazê-lo por nossa via.

Têm uma ficha de inscrição para quem estiver interessado em juntar-se ao vosso projecto. Qual é a ideia?
D.F. - A ficha serve em primeiro lugar para quem escreve, para quem se sente ou aspira a ser escritor, poeta. Nós recolhemos informação para criar uma base de dados e para sabermos as pessoas com quem podemos contar. Tem uma parte em que se refere a ligação à poesia, se a pessoa escreve, se recita, se apenas gosta de poesia. Esta ficha serve basicamente para isso, para reencaminhar e orientar as pessoas, no sentido de que sempre que houver espectáculos nós podermos informar as pessoas e até mesmo fazer o convite. Por outro lado, também serve para quem não escreve mas apenas gosta de poesia. Nesse caso nós temos dados da pessoa... se vamos fazer por exemplo uma apresentação, podemos informar e fazer o convite.
A.S. - E ter uma grande base de dados de poetas.


Vocês têm a noção de que estão a criar um projecto de rotura com o que existe actualmente? Um movimento, mesmo?
D.F. - Sim, sem dúvida. Eu até tenho dificuldade em adjectivar este Jovens Poetas Vadios como um grupo. Na verdadeira acepção da palavra, isto não é um grupo, é um movimento. Não estamos ligados nem a um espaço físico, nem a qualquer tipo de ideologias. Somos completamente livres. É um movimento e nasce de "passa a palavra e junta-te a nós".
A.S. - Cada jovem que nós conseguirmos que escreva e se comece a mostrar, mesmo que não esteja na nossa base de dados, mesmo que não esteja inscrito connosco, já faz parte do movimento, já aderiu à ideia e poderá um dia criar algo que ainda leve mais longe que os Jovens Poetas Vadios.
D.F. - Até porque o nosso objectivo acaba por ser formar jovens poetas. E aliás, o nosso propósito é mais na área da cultura. O que nós quisémos, em boa verdade, é dar cultura às pessoas. Cultura de leitura, de escrever... Qualquer pessoa na rua acaba por ser um jovem poeta vadio. Porque a poesia não é só o escrever um poema. A poesia é muito mais do que isso. A poesia é a canção do músico, quem escreve acaba por ser um jovem poeta porque a música tem muito de poesia. Um jovem que gosta de pintar acaba por ser também um jovem poeta vadio, porque a pintura também está muito ligada à poesia, também é uma forma de expressão da poesia. Ou seja, ser um jovem poeta vadio não é pertencer a um grupo, mas sim uma forma de estar.

E o facto de as pessoas saberem que têm uma forma de poder mostrar aquilo que escrevem pode também incentivá-las a escrever mais?
D.F. - O objectivo é esse. Que mesmo aquele que faz por exemplo um poema de vez em quando, comece a escrever mais. E felizmente temos tido sucesso. As pessoas têm escrito cada vez mais, tem havido mais produtividade, mais empenho. E só isso já nos deixa muito felizes.
A.S. - É importante dizer que não vamos parar. Mesmo que tenhamos de voltar ao início, acho que é um movimento que vale a pena e em que todos nós acreditamos. Ninguém está aqui só por estar ou por dizer que pertence. Nós vamos sempre tentar algo de novo. Se isto não resultar, vamos tentar algo de novo. E acho que um dia havemos de conseguir. Mesmo que, nessa altura, já não sejamos jovens...

(Entrevista para o Almada Cultural e Almada Cultural por extenso, em Janeiro de 2009; fotos de António Vitorino: apresentação pública do projecto Jovens Poetas Vadios, Dezembro de 2008, durante uma sessão de "Poesia Vadia", na Biblioteca Municipal de Almada)